terça-feira, 16 de junho de 2009

O Ouvidor que não fala é surdo

*Edna Delmondes

A frase foi dita por Luiz Arnaldo Pereira Junior, consultor em gestão, e contribuiu para a modernização do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Vista no contexto mais amplo, traz à luz o significado político da fala. Afinal, o que é a política se não a arte e a prática da linguagem?

Antes de entrar em detalhes mais específicos da comunicação nos Tribunais de Contas, vamos fazer uma breve explicação do conceito do “falar” como atividade política.

Rousseau, por exemplo, entendia que toda a transição da sociedade de natureza, quando os homens eram diferentes e livres para a sociedade política, regida pelo Estado e com suas diferentes hierarquias, se deu por meio da linguagem. Segundo ele, a linguagem libertou os homens (humanidade) para o progresso técnico e também a escravizou no espartilho das leis e normas restritivas.

Hannah Arendt, um dos grandes nomes da filosofia pós segunda grande guerra, associava a política à palavra. Ou seja, a palavra é a forma em que se materializa a oca política. Isto porque é a palavra que media, a que faz a mediação de entendimento na sociedade, permitindo que as diferentes opiniões convivam sem violência.

Se voltarmos ainda mais no tempo, vamos encontrar na Roma antiga o modelo avançado de República, a chamada República Mista. A que conviveu os aristocratas, os republicanos, a monarquia e a plebe. No dizer de Maquiavel, foi uma república “tulmutuosa”. Mas a liberdade, como ele mesmo assinala, vinha justamente dar a visibilidade dos conflitos.

Nesse contexto da política, o “falar” do Ouvidor significa justamente abrir canais para que os conflitos se explicitem. Não é apenas ouvir, anotar e prover soluções tópicas. É ir mais além. É procurar entender as circunstâncias e as contingências em que acontece a voz do cidadão. Porque uma queixa, uma sugestão ou uma informação sobre os trabalhos dos Tribunais de Contas não se esgotam em si próprio. Contêm uma transcendência política que precisa ser absorvida e entendida de uma maneira precisa. Geralmente fazem parte de um todo, mais que um problema isolado. Indicam tendências que, se não superadas, acabam por golpear a imagem e a reputação da instituição.

Historicamente as Ouvidorias sempre foram os olhos e ouvidos do Rei (no sentido de governante). Como prática republicana, significa a ultrapassagem da política medieval, alicerçada na repressão, para a política republicana, cujo âmago é o diálogo. Foi o momento, e estamos falando dos séculos XIII ao XVI, seminal do conceito de República.
Com eles brotam as idéias de individualidade de participação política das massas, de liberdade. Em síntese, a cidadania.

No Brasil dos dias atuais, a questão republicana perpassa todo o cotidiano das instituições. Daí as Ouvidorias, no conjunto, as dos Tribunais, no particular, estarem a ganhar a cada dia um novo significado.

Não são mais os olhos e ouvidos do rei, mas a linguagem “ponte” entre a sociedade e as suas instituições. É assim que a comunicação se torna um recurso indispensável, não apenas no seu conteúdo técnico e ferramental, mas, sobretudo, no exercício político da fala. Por isso o Ouvidor que não fala é surdo. A surdez é a negação da política. A fala, a sua afirmação.

*Ouvidora do Tribunal de Contas do Estado da Bahia

Um comentário:

ric@rdo disse...

Eu acrescentaria ainda que o Ouvidor que escreve perpetua e pulveriza conhecimento. Parabéns.