quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ONGs, parceria pelo diálogo com a sociedade

Edna Delmondes
A história registra que, na antiga Roma o Audire, aquele que ouvia o cidadão - daí a origem da palavra “auditor” – costumava se reunir em praça pública para prestar contas. Na realidade, era um trabalho de mão dupla: ouvia os cidadãos e anunciava os resultados das suas ações, fruto de conversas anteriores. Naquela época, vale lembrar, a imprensa escrita, que nasceu de uma iniciativa de Júlio César, tinha alcance muito limitado e a plebe romana não era letrada, a despeito do valor que a República dedicava à educação.
Mudaram os tempos, mudou a rotina dos auditores. Hoje, a comunicação acontece em tempo real e a praça pública ganhou as dimensões da Internet. Mas o hábito de ouvir o cidadão nunca foi tão necessário. Um dos caminhos que se descortinam na atualidade pode ser, por exemplo, a aliança com ONGs de comprovada credibilidade e inserção social, com foco no controle das políticas públicas. É um salto à frente que os Tribunais teriam muito a ganhar nesse momento em que a transparência se transforma em lei e a cidadania se mobiliza em crescente mobilização participativa.
Para melhor ilustrar essa tese, vale lembrar o papel da comunicação em uma sociedade democrática. O pensamento moderno caminha para ampliar o conceito de democracia representativa, identificando como corpo político não só os representantes da sociedade eleitos pelo voto, como também toda a sociedade civil organizada. É um conceito modelado por Rousseau que, com maior ou menor intensidade, se afirma desde a Revolução Francesa. Na prática, significa muitos governando muitos e, com isso, promovendo cada vez mais a ampliação dos espaços públicos.
No Brasil, essa realidade participativa está nas ruas.
Novos caminhos de participação
As eleições democráticas, são o momento da renovação representativa, delimitando o fim e o começo de mandatos que podem ser renovados ou não. Mas a atividade de representação prossegue, mesmo com a mudança do representante, porque é um processo contínuo de formação da opinião, do saber e da convergência.
Com a democracia a opinião do cidadão torna-se pública. E, mais do que isso, significa ação. Tem o papel de integrar o circuito da representação política. Está sujeita ao exame de todos, através do ouvir e do falar e, nesse movimento, é que se coloca, na forma de síntese, a serviço de uma sociedade que se vê, ela mesma, em um processo de contínua transformação. A opinião púbica é uma corrente que “liga” os cidadãos entre si e relaciona o Estado a essa mesma cidadania. Mas é uma corrente que exige aperfeiçoamento contínuo. O dado novo é que se está evoluindo do plano da opinião, que geralmente diz respeito às paixões, para o campo do saber. O saber público. A Sociedade Civil Organizada, quando representativa, expressa esse saber. E, certamente, pode contribuir para integrar a comunicação em três níveis, a saber: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. O direito de informar representa a liberdade de comunicar, sem impedimentos, podendo se revestir da forma de direito a meios para informar. O direito de se informar consiste na liberdade de escolher e buscar a informação, na liberdade de não ser impedido de obter a informação. E o direito a ser informado representa o direito de ser adequadamente mantido informado.
A comunicação dos cidadãos nas sociedades contemporâneas está dada: requer construção, esforço participativo. Exige mais, exige a compreensão dos fenômenos do presente. Ou seja, as novas formas de representação. E participação. Só na Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG existem cadastradas 272 ONGs atuando nas mais diversas áreas temáticas, tais com: agricultura, discriminação racial, orçamento público, justiça e promoção do direito, comunicação, dentre outras. Essas Organizações estão distribuídas da seguinte forma: 37,87% na Região Nordeste, 6,25% na Região Centro Oeste, 40,07% na Região Sudeste e 8,09% na Região Sul. No Brasil, temos 34 Tribunais de Contas e não mais de meia dúzia tem experiência de parceria de ONGs no exercício do controle.
Um fenômeno novo
Ao longo de 119 anos, desde a criação do Tribunal de Contas da União em 1890, o controle das contas públicas no Brasil viveu seus momentos difíceis. No Estado Novo, o Tribunal de Contas teve as suas atividades fiscalizadoras reduzidas. Nos anos 80, década do processo de abertura e redemocratização, após o declínio do modelo de desenvolvimento econômico levado à prática no ciclo militar, o Tribunal de Contas, na Constituição Federal de 1988, firmou sua posição na organização dos Poderes tendo suas competências ampliadas. Nessa ocasião, também a Sociedade Civil Organizada, em várias passagens, teve a sua participação assegurada como entidades representativas na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas, conferindo-lhes expressivo papel de representação da sociedade.
Será que a parceria dos Tribunais de Contas com as ONGs não poderia ser uma forma de ampliar e democratizar os sistemas de controle? Não se trata de voltar ao passado, nos idos da antiga Roma, mas de buscar na República mais longa e mais vivida da história um fundamento, uma referência. Os romanos tinham essa qualidade: eram includentes. A República mista – que garantia a expressão das classes populares – foi o segredo da construção do império. Políbios, na República, Capítulo VI, conta como a história aconteceu. Vale a pena ler. É inspirador. Não se pode dissociar o passado do futuro. Passado e futuro dialogam. O tempo presente, entre nós, está a exigir que esse diálogo ganhe novos horizontes, que assimile os novos fenômenos da realidade cotidiana. É sob essa ótica que a Sociedade Civil Organizada ganha relevância e atualidade.
PS: este artigo foi inspirado na minha participação no evento “TCE-Interage”, realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás, para apresentar à sociedade os resultados das auditorias operacionais realizadas nos programas de governo: Saúde e Educação, em 18 de agosto de 2009.